Houve um tempo, não muito distante, em que as marcas ditavam desejos, novelas criavam modas e os indivíduos eram apenas seguidores. Na era do comportamento de massa, era mais fácil saber o que era consenso − e agradar a maioria. Todos nós já sabemos que essa lógica se inverteu.
As ruas ditam o que vai bombar na próxima novela, e as marcas precisam ter um radar muito apurado para acompanhar o ritmo das pessoas e não serem atropeladas por elas. Há que se fazer escolhas. E toda escolha pressupõe perdas...Mas, cada vez mais, muitos ganhos.
Hoje vemos gigantes do mercado assumindo novas posturas, pressionados por mudanças culturais e mercadológicas. A Philip Morris decidiu parar de fumar na Inglaterra, o terceiro país em que o consumo de cigarros mais caiu no mundo desde 1980. Depois de lançar uma série de produtos e alternativas com nicotina e sem fumaça, acabou por se comprometer com a maior conscientização sobre o cigarro e seus malefícios: “Parar de fumar ou nunca começar é sempre melhor.”
Quem imaginaria isso poucos anos atrás? Aqui no Brasil, a Skol também assumiu que, no passado, apoiou visões de mundo estreitas demais. O machismo, que já foi herói na indústria de cerveja, hoje se sabe que acaba por normalizar o assédio. Próximo a comemoração de vinte anos, a marca começou a ressignificar seu consagrado posicionamento refletido em novas escolhas e, para o carnaval de 2018, apoiou uma das maiores influenciadoras digitais feminista para falar sobre atitudes redondas.
Para sentir o pulso desses diversos comportamentos humanos, e embasar a tomada de decisões, nós que trabalhamos com marcas contamos com várias ferramentas de tendências. Todas muito úteis e fontes constantes de consulta e inspiração. Há dois anos, a rede TBWA criou o Backslash, um radar próprio que conta com 256 pessoas de 43 agências pelo mundo alimentando diariamente uma plataforma global com edges (como são chamadas as tendências) e seus triggers (as observações ou comportamentos em que essas tendências se manifestam).
Fica claro, a partir dessas provocações diárias, que as marcas que quiserem virar objetos culturais vão ter que assumir mais suas posições. Não estamos falando de posicionamento ou posição no ranking, mas, sim, de postura. Qual a minha verdade? Qual certeza eu apoio? Não são respostas simples, mas estar atento as diferentes movimentações humanas, em diferentes lugares do mundo, é um importante aliado para tomar decisões mais coerentes e alinhadas com as aspirações e crenças de seu público.
Para o futuro próximo, existem três edges que vale a pena conhecer e, talvez, aproveitar como oportunidade para as marcas brasileiras.
BOT-GENTRIFICATION: direção criativa e algoritmos
O uso da inteligência artificial pelas marcas vai se expandir muito além do ambiente digital e da agilidade de relacionamento. Comportamentos são rastreáveis, decodificáveis e analisáveis. Facilmente o olhar humano descobre para onde o consumidor está apontando − e as máquinas também! O conteúdo fabricado por robôs está prestes a explodir em todas as indústrias criativas. Isso significa que músicas, jogos, livros, filmes e, sim, propaganda serão produzidos cada vez mais por máquinas. Em 2016, o curta de ficção científica Sunspring deu o que falar. Mais recentemente, o Spotify foi acusado de usar bots fake para evitar o pagamento de fees aos artistas.Segundo uma pesquisa global da Forrester, 32% das marcas dizem estar planejando usar ou testar robôs em 2018.
Na batalha por cliques, qualquer coisa que aumente a velocidade de produção e qualidade de conteúdo é válida e, daqui a pouco, podemos entrar em uma era em que dizer que algo foi feito por humanos seja o equivalente a hoje dizer que é orgânico, feito por produtores locais. Algumas pessoas vão preferir o conteúdo das máquinas, já que será totalmente baseado nas suas próprias (p)referências. Outras ainda vão preferir o valor humano. A escolha aqui será: minha marca vai apoiar o conteúdo feito por humanos, por máquinas ou apostar em ambos?
VAPOURWEAR: produtos digitais e moda
Na era do acesso em detrimento da posse, a efemeridade se junta à tentativa de construção de uma identidade virtual, mesmo que isso soe um tanto antagônico para quem está além da geração Y (como o efêmero pode construir identidade se identidade se constrói com consistência?) Vemos o crescimento de produtos como lentes, filtros, infinitos produtos que “vestem” as imagens de pessoas e lugares nas mídias sociais, o que acaba por criar um estilo social virtual. Tudo começou com o Snapchat e hoje se prolifera pelo Instagram, onde usuários no geral usam esses produtos para incrementar sua presença digital. Estima-se que o mercado de produtos virtuais chegue a US$ 70 bilhões até 2020.
No Brasil, as celebridades já brincam bastante com esses formatos. A Anitta, por exemplo, falou no seu Stories sobre o vazamento do vídeo com a Iggy Azalea usando um filtro de gatinho. Por outro lado, o Mano Brown usou sem querer também um filtro do mesmo bicho e recebeu uma enxurrada de críticas dos seus fãs. Aqui a pergunta que fica é: faz sentido para a minha marca apostar no que parece uma brincadeira de internet, que pode gerar receita extra tanto com a venda ou até testes de novos produtos quanto com o potencial de engajamento de cada uma delas? Parece que o mercado é promissor e que poucas marcas entraram de verdade nesse jogo.
MEME MONEY: memes e finanças
Se tem uma coisa que o brasileiro sabe fazer bem é rir de si próprio. Mas diferente do mundo das celebridades influenciadoras digitais, os memes que explodem em criatividade, humor e sarcasmo não conseguem gerar a mesma receita para os seus criadores. A tão falada blockchain pode mudar isso. A nova tecnologia – que está por trás das criptomoedas e é capaz de registrar qualquer transação garantindo sua autenticidade e eliminando a necessidade de terceiros (bancos, cartórios ...), pode ajudar os criadores de memes ou qualquer produto virtual, a garantir a autoria por suas criações e vendê-las diretamente a usuários e marcas.
O jogo Cryptokitties já atraiu 180 mil usuários que compraram gatinhos virtuais via blockchain com a moeda Ethereum. Os adoráveis gatos são colecionáveis e únicos, podem ser alimentados e até se reproduzir. Criar desejo, exclusividade, edições limitadas, produtos colecionáveis, estratégias observadas no mundo real totalmente válidas para o virtual. A nova tecnologia cria para os artistas a chance de serem recompensados pelos seus trabalhos. E para as marcas emerge a oportunidade de trabalhar sua influência digital de outra forma, usando, por exemplo, a criação de produtos digitais limitados. A escolha aqui deve ser, quais conteúdos exclusivos têm a ver com a estratégia e o tom de voz e da minha marca?
A vida é feita de escolhas. Assim como marcas são construídas a partir delas. Desejamos, a todos, escolhas corajosas para 2018.
Renata Serafim é Chief Strategy Officer da Lew’Lara\TBWA. Com mais 20 anos de experiência, trabalhou com marcas como Skol, P&G, Santander, Tim, Net, Claro, Ipiranga, Honda, Nissan E Cacau Show.
Luciana Mussato é diretora de planejamento estratégico e Backslash leader na Lew’Lara\TBWA. Trabalha há 17 anos para marcas como Skol, Fiat, Nivea, Sky, Itau, Oreo e Nissan.